1) Relações entre o filme “Os Narradores de Javé”, a história e a
literatura.
Segundo
Coutinho (2008),
O literário ou o
estético inclui precisamente o social, o histórico, e o religioso, porém,
transformando esse material em estético. A literatura parte dos fatos da vida
ou os contem. Mas esses fatos não existem nela como tais, mas simplesmente como
ponto de partida. A literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é
a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da
língua para as formas que são os gêneros e com os quais ela toma corpo e nova
realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e
da experiência da realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes
origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças à imaginação
do artista. São agora fatos de outra natureza, diferentes dos fatos naturais
objetivados pela ciência ou pela história, ou pelo social.
De acordo com o
autor supra citado, a literatura precisa da história pra transformá-la em
estética. No filme “Os Narradores de Javé” Antônio Biá, na primeira entrevista
na qual ele tenta escrever a história de Javé, ele procura fazer exatamente
isso: transformar os fatos em ficção, em realidade engraçada. Mas o
entrevistado não o permitiu alterar sua história contada. Nos outros episódios
é possível perceber que cada narrador procura dar um toque literário às suas
histórias, o que provoca muita discórdia e discussão.
2) O modo como o filme
apresenta os diferentes narradores?
A missão de Antônio Biá no filme era
coletar os dados históricos para que, de uma perspectiva científica – e não
literária – a história do povoado de Javé passasse da oralidade para a escrita,
e servisse de argumentação para o tombamento daquele lugar.
Cada narrador, um por um, se
desencaminha do padrão científico, e acaba contando a história literariamente. Muitos elementos
fictícios são acrescentados aos seus depoimentos, dando à história um prazer
pelo estético, misterioso, engraçado, e irreal. Esse é o principal motivo pelo
qual Antônio Biá não consegue escrever nada, considerando que o material coletado
não tende a uma forma padrão, pois há muitas divergências entre os narradores
de Javé.
3) A aproximação que se pode fazer entre o filme e os poemas
épicos atribuídos a Homero, a Ilíada e a Odisséia.
O que há em comum nas construções dos
narradores de Javé e os poemas épicos atribuídos a Homero, a Ilíada e a
Odisséia é o elemento triunfalista de seus narradores que acaba se tornando numa
ficção, uma epopéia.
Na
verdade, depois de buscar a história de Javé por toda parte, a única coisa que
encontraram foram epopéias de cada narrador. Todos os narradores estavam
preocupados em contar vantagens, vitórias, conquistas e glórias. Tudo passou a
ser um conto literário, por permitir que idéias ficcionais fossem o elemento
controlador da história, pois sem elas, a história não tinha graça nenhuma. Parece
que todos os narradores estavam mais preocupados em deixar registrados seus
nomes ligados a grandes feitos, grandes aventuras, uma verdadeira epopéia.
4) Como cada narrador constrói a figura do herói de sua
narrativa.
Todas
as histórias contadas têm um herói ou heroína. Nenhum desses heróis é vencido
ou perdedor, embora cada narrador interpele a história alheia, colocando seu
herói em condição vantajosa ainda maior do que o herói concorrente.
Assim, a fundação da cidade acaba
tornando-se uma grande epopéia de heróis que lutaram e venceram para fundar o
povoado de Javé.
5) Um comentário do filme.
Após saber a notícia de que uma grande
represa seria construída nas proximidades do povoado de Javé, seus habitantes
ficaram perturbados com a idéia daquele povoado vir a ser coberto pelas águas
da represa.
Após consultar as autoridades, eles
foram alertados de que Javé não seria destruída se representasse algum valor
histórico e chegasse a ser tombada como patrimônio federal. Um plano de salvamento de Javé apareceu
rapidamente. Eles aceitaram o fato de que teriam de escrever a história do
lugar para tentar encontrar algum elemento histórico de valor nacional. Eles
começam a empreitada, encarregando Antônio Biá para ser o escrivão, já que ele
tinha dotes artísticos para as letras.
Antônio Biá começa a andar pelo povoado
em busca da história perdida de Javé, que se encontrava ainda em sua forma oral.
Os indivíduos mais antigos e mais famosos do povoado são entrevistados; a
dificuldade de se coletar esse material é que não havia uma forma padrão da
narrativa, sendo todas diferentes e contraditórias. Para Antônio Biá, nenhuma
daquelas histórias é digna de representar a verdadeira história de Javé, tendo
em vista que tudo parecia mais uma epopéia de Javé do que história científica.
Ele começa a beber e embriagar-se, e acaba não escrevendo nenhuma das
narrativas que ouviu daqueles antigos moradores.
Depois de desanimar-se com sua missão,
Biá desabafa com os moradores do povoado, dizendo não acreditar que aquelas
histórias bobas e fictícias pudessem mudar alguma coisa na história atual
daquele povoado.
Curiosamente, depois de ser inundada, a
torre da igreja ficou despontando para fora d´agua. Todos que olhavam para
aquela torre agora reconheciam seu valor histórico. Javé ficou famosa. Antônio
Biá se arrependeu por não ter escrito a história daquele lugar, e então passa a
procurar cada ex-habitante de Javé para concluir sua missão.
Embora o propósito dos habitantes de
Javé fosse construir uma prova histórica científica de que Javé poderia se
tornar um patrimônio nacional, contudo, a única coisa que eles conseguiam
coletar dos seus habitantes foram as epopéias particulares de cada narrador.
Assim, seria impossível dar um toque científico à história de Javé, já que tudo
o que se coletava era de natureza mais literária do que científica. Somente
depois da inundação é que aparece uma forma padrão da narrativa histórica de
Javé. A partir daí, todos estão interessados em contar a verdadeira história de
Javé.
BIBLIOGRAFIA:
COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de
Janeiro: Vozes, 2008.
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